A combinação entre incerteza fiscal, juros elevados e expectativas voláteis forma um cenário desafiador para o investidor brasileiro. Mas, para o assessor de investimentos, esse ambiente é também uma oportunidade estratégica: compreender os efeitos dessas variáveis, traduzir riscos em decisões e, sobretudo, alinhar discurso com o cliente de forma técnica e proativa.
Neste artigo, exploramos como o risco fiscal afeta o mercado, o impacto dos juros no comportamento dos ativos e, principalmente, como transformar esse contexto em um diálogo estruturado com o investidor, que busca segurança, rendimento e clareza.
O que é risco fiscal e por que ele importa?
O risco fiscal diz respeito à capacidade do governo de cumprir seus compromissos financeiros no médio e longo prazo, sem provocar desequilíbrios que comprometam a estabilidade macroeconômica. Em termos simples, trata-se da confiança de que o Estado conseguirá equilibrar receitas e despesas públicas.
Quando há aumento da percepção de risco fiscal, o mercado reage: elevações nos juros futuros, aumento do dólar, desvalorização de ativos e, principalmente, incerteza nos investimentos. Os investidores cobram mais prêmio para financiar o governo e reduzem sua exposição a ativos domésticos — o que encarece o crédito, trava decisões corporativas e reduz o apetite ao risco.
Exemplos práticos de risco fiscal:
- Propostas de aumento de gastos públicos permanentes sem compensação de receita;
- Rompimento de metas fiscais estabelecidas, como superávit ou déficit primário;
- Mudanças nas regras de arcabouço fiscal (como o novo regime pós-teto de gastos);
- Revisões frequentes de projeções orçamentárias e perda de credibilidade nas estimativas do governo.
A relação direta entre risco fiscal e taxa de juros
Em ambiente de deterioração fiscal, a curva de juros sofre pressão. Como reflexo:
- Os juros futuros sobem, afetando diretamente títulos prefixados e atrelados à inflação;
- O Banco Central pode ser forçado a manter a taxa Selic elevada por mais tempo, mesmo com arrefecimento da inflação, para conter os efeitos da desconfiança fiscal no câmbio e nos preços;
- A precificação dos ativos de risco (ações, fundos imobiliários, crédito privado) sofre revisões negativas.
Para o assessor, esse é o ponto central da conversa com o cliente: juros e risco fiscal andam juntos, e ignorar essa correlação pode levar a decisões desinformadas.
Impactos na alocação: onde estão os riscos e oportunidades?
Em momentos de maior percepção de risco fiscal, a dinâmica da carteira muda. A seguir, mapeamos como cada classe de ativo tende a se comportar:
1. Renda fixa pública (Tesouro Direto)
- Prefixados e IPCA+ sofrem com a marcação a mercado quando os juros sobem.
- Tesouro Selic ganha atratividade como ativo de menor volatilidade e indexado à taxa básica, funcionando como reserva de oportunidade.
2. Renda fixa privada
- Papéis com maior risco de crédito são penalizados pela aversão ao risco.
- Ativos de alta qualidade, como debêntures incentivadas e CRIs/CRAs com garantias sólidas, podem continuar atraentes — mas com spreads maiores.
3. Ações
- O risco fiscal afeta especialmente empresas com dependência do governo (concessões, contratos públicos, regulação) ou com grande necessidade de capital.
- Empresas exportadoras ou dolarizadas podem servir como proteção parcial, desde que com fundamentos sólidos.
4. Fundos imobiliários
- Os FIIs de papel (CRI indexado ao IPCA ou CDI) podem manter atratividade.
- Os FIIs de tijolo, principalmente em setores sensíveis à economia (shoppings, lajes corporativas), tendem a sofrer com juros altos.
5. Câmbio
- A percepção de descontrole fiscal pressiona o real.
- Ativos dolarizados (ETFs internacionais, fundos cambiais, BDRs) ganham função de proteção.
Como o assessor pode traduzir esse cenário para o cliente?
Em momentos de maior turbulência fiscal, o papel do assessor é ainda mais crítico. É preciso sair do discurso técnico e entrar na linguagem estratégica, combinando informação, didática e direcionamento prático.
1. Explique o impacto do risco fiscal sem alarmismo
O investidor precisa entender que risco fiscal não significa calote, mas sim um ambiente de incertezas que afeta juros, inflação e decisões de política monetária. O discurso deve ser informativo, não sensacionalista.
Exemplo de abordagem:
“As recentes discussões sobre aumento de gastos do governo sem contrapartida de receita elevaram o chamado ‘risco fiscal’. Isso faz com que os investidores exijam juros maiores para financiar o país, o que impacta os preços de ativos. Nossa estratégia é proteger seu patrimônio nesse cenário, sem abrir mão de oportunidades que surgem em meio à volatilidade.”
2. Reforce a importância da diversificação com propósito
Mais do que “diversificar por diversificar”, o assessor deve mostrar por que ativos com diferentes indexadores e riscos têm funções complementares na carteira.
Use argumentos como:
- “Vamos usar uma parte da carteira em ativos pós-fixados atrelados ao CDI para acompanhar a Selic, mas sem ficar totalmente expostos à oscilação da curva de juros.”
- “Podemos buscar proteção cambial parcial, não por especulação, mas porque ela ajuda a balancear a carteira em momentos de dólar volátil.”
3. Mostre o papel da renda fixa com estratégia
É comum que, diante de juros altos, o cliente pense apenas em renda fixa. O papel do assessor é mostrar que:
- A marcação a mercado pode gerar perdas de curto prazo em títulos prefixados e IPCA+, mesmo com bons retornos no vencimento;
- O prazo importa — ativos longos têm mais sensibilidade à oscilação da curva;
- Existem oportunidades em produtos estruturados ou híbridos com boas proteções.
4. Use dados e cenários para embasar decisões
É essencial ancorar o discurso em fatos. Exemplos:
- Projeções do Relatório Focus sobre inflação e PIB;
- Curva de juros futuros atual versus curva implícita há 3 ou 6 meses;
- Expectativas sobre o resultado primário e dívida/PIB da União.
A importância do alinhamento contínuo
Mais do que explicar o cenário atual, o assessor precisa manter um alinhamento periódico com o cliente. A comunicação deve ser proativa, clara e contínua. Reuniões semestrais de rebalanceamento, envio de relatórios personalizados e contato em momentos de decisão do governo ou do Banco Central ajudam a consolidar a confiança.
Esse acompanhamento reforça que a estratégia não é reativa, mas adaptativa e monitorada, com revisões sempre que necessário — o que transmite profissionalismo e tranquilidade.
Oportunidades mesmo em meio ao risco
A leitura atenta do risco fiscal também revela oportunidades para investidores bem assessorados. Alguns exemplos:
• Distorções na curva de juros
Movimentos bruscos de aversão ao risco podem abrir janelas de entrada em títulos longos com taxas elevadas. Com boa leitura de cenário e prazo adequado, há espaço para ganho expressivo até o vencimento.
• Abertura de spreads em crédito privado
Empresas sólidas que precisam captar em cenário adverso podem pagar prêmios maiores, abrindo espaço para bons ativos em renda fixa privada com risco controlado.
• Rotação setorial na Bolsa
Cenários de juros altos penalizam alguns setores e favorecem outros (exportadoras, empresas com caixa líquido, utilities). Um olhar atento revela rotas alternativas de investimento em ações.
O risco fiscal não é uma novidade para o Brasil — mas sua forma de se manifestar muda com o tempo. Em 2025, com a combinação de novas regras fiscais, desafios de arrecadação, expectativa de corte de juros e ambiente externo volátil, o papel do assessor de investimentos se torna ainda mais estratégico.
Mais do que “explicar” os movimentos do mercado, o assessor deve traduzir cenários complexos em orientações práticas, equilibrando risco e oportunidade. E, principalmente, deve manter um discurso consistente e pedagógico com o cliente, mostrando que o planejamento financeiro bem estruturado resiste mesmo aos períodos de maior incerteza.